Captura de tela - Sihan Felix
Os aviões da Roma de
Cuarón
Uma vida em preto e branco talvez seja preferível no fim das
contas. Em preto e branco não se vê o amarelado do tempo (e do cigarro) sobre
as coisas, os móveis. Essa transitoriedade, essa efemeridade das coisas, de
tudo, são tão mais chocantes quando nos damos conta de que as maquiamos.
Hoje recebi a visita de um grande amigo. Ligou cedo,
avisando que viria à tarde. Eu não limpava a casa há semanas. Corri para varrer
a casa, passar pano com Veja no chão. Só então reparei na geladeira... que
deveria ser branca. Meses enfurnado em casa, só observando a vida. E a
geladeira amarelando. Veja resolveu. E se resolveu na geladeira, também
resolveria nos quadros (muitos), nas miniaturas de carros na estante, nos
bibelôs sobre a mesa de centro. O amigo chegou por volta das quinze horas. Tudo
limpinho, maquiado.
Tomamos chá gelado com bolo, pães e queijo. E conversamos
sobre a vida, sobre pessoas queridas (e também não queridas), sobre projetos e
sobre um monte de outras coisas, como costumam conversar os amigos quando não
se veem faz tempo. Tempo. Quando vimos já tinha passado, e era tempo de ele ir
a outro compromisso. E lá passaria outro tempo. Fiquei aqui observando a
geladeira branquinha como era antes.
Que susto as geladeiras e seus amarelados podem nos dar!
Como os aviões que cruzam o céu.
Denunciam o tempo escoando. Ou eu passo a fumar menos, ou eu
decido a não ser mais mero observador, espectador da minha vida. E isso é
pessoal e grandioso. Películas em preto e branco não são a vida. Quando eu não
tiver mais Veja, como será?
(Edmilson Borret - 10/02/2019)
(Edmilson Borret - 10/02/2019)