quinta-feira, 29 de novembro de 2018




diário dos vivos [fragmento]

XVIII.

meu pai odiava quando o disco de rock era colocado. isso não é música, é barulho. aposto que é aquele seu amigo que anda te influenciando. lembro do dia em que ele veio aqui em casa com o disco do ramones debaixo do braço. você precisa ouvir isso. a música dizia: eu era muito mais velho quando jovem. nunca entendi. nem ele. olhávamos para o meu pai e tentávamos entender se ele, de alguma forma, poderia se sentir mais jovem que nós. tínhamos um mundo: meu pai, uma casa que construíra com as próprias mãos e uma família que amava. eu e ele navegámos contra a corrente no bateau ivre do rimbaud. meu pai agarrava-se à tranquilidade do nautilus do jules verne. tudo isso eu ouvia dele e admirava o quanto ele entendia da vida e dos homens mais do que eu. ano que vem você entra na faculdade, precisa ler esses caras. foi o que ele me ensinou entre outras coisas, como a fumar e beber. naquele verão eu iria pra capital. fazia seis meses já desde que ele se fora. desde que joaquim e seus amigos lhe deram aquela coça.

Para ler o restante, adquira o livro Diário dos vivos e outros escritos, publicado pela Editora Penalux, set. 2019, no site a seguir:

https://www.editorapenalux.com.br/loja/contos/diario-dos-vivos-e-outros-escritos


segunda-feira, 26 de novembro de 2018



diário dos vivos [fragmento]

XVII.

ainda acho que você trouxe pouca pinga, azevedo. você acha duas garrafas pouco? essa pescaria nem vai durar o dia inteiro, final da tarde a gente já está de volta. você sozinho toma uma garrafa antes do meio-dia, azevedo. quando os de casa me acordaram cedo me avisando que os amigos da birosca me aguardavam no portão, eu amaldiçoei mil vezes a hora em que concordei em ir pescar com eles. nem vai tomar café direito, tio? só um café puro tá bom, eles estão levando pão e mortadela. volta pro almoço? não me esperem. eu já adiantava uns dez passos deles, enquanto ficavam para trás discutindo sobre a quantidade de pinga. ou vocês três aceleram ou os peixes já estarão tirando a soneca da tarde quando chegarmos ao rio. calma, homem! estamos discutindo uma questão muito séria aqui. deixem o pobre do azevedo em paz! eu trouxe mais uma garrafa de pinga. ah, agora é pobre do azevedo, né? só porque ele te escreveu um poema com direito a beijinho no rosto?

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sábado, 24 de novembro de 2018




diário dos vivos [fragmento]

XVI.

tio, tá na hora do seu remédio. eu sei. e talvez não seja boa ideia ir na birosca hoje encontrar seus amigos. deu chuva forte pra hoje. ainda está para nascer quem vai me dizer que não devo sair de casa por algum outro motivo que não seja a minha vontade. medo de chuva? rhun! conheço as águas. final da tarde, como de hábito, rumei para a birosca. nas casas à beira da estradinha que ia até a cidade, roupas eram tiradas do varal. já viu o céu pros lados da serra? vem chuva forte aí. ela não vem antes da noite. ainda assim eu deixaria pra ir na cidade outro dia. volto antes que ela caia, não se preocupe. todos nas redondezas tinham muito medo da chuva. e isso há muito tempo. e você não, homem? conheço as águas. o dono da birosca ria dessa minha resposta toda vez que ele me fazia a mesma pergunta.

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terça-feira, 20 de novembro de 2018




diário dos vivos [fragmento]

XV.

de que serve ter o mapa, se o fim está traçado? a descoberta da doença não trouxe muitas certezas, além da óbvia. trouxe porém os de casa, que me rodeiam sem aqui estarem, pois não os vejo. ou eles que não me veem. há um muro que sempre ergui entre mim e os que se preocupam comigo. e dele sempre me orgulhei. e por ele tenho empenhado meus afastamentos. tenho construído enredos de uma morte. morro quando, por medo, deixo partir quem amo. morro quando, por inabilidade, não consigo dizer o meu amor a quem amo. morro quando confundo essas duas mortes e não sei qual delas primeiro me matou. de qualquer forma, meu fim está traçado. e não sei se dele me orgulho agora. por isso a birosca e os poucos amigos que lá encontro. no fundo do copo, inventamos alguma vida.

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sábado, 17 de novembro de 2018




diário dos vivos [fragmento]

XIV.

tio, alguns amigos seus da birosca tão aí. querem falar contigo, parece urgente. os de casa sempre se referiam a eles como os “amigos da birosca”, como se eu só os encontrasse na birosca. acho que, no fundo, se indagavam como eu poderia ter amigos. mais: como se firmava essa amizade em termos de conversa. com os de casa eu pouco ou quase nada falava. devem ficar na birosca só tomando cachaça e botando olho em mulher alheia, conversa nem devem ter. na sala encontrei três dos “amigos da birosca” apreensivos. precisamos salvar o azevedo, tá preso. e o que ele fez para ser preso? nada de mais, deu um tiro no dono do circo que está na cidade. mas foi de raspão, nem gastou muita gaze e esparadrapo. mas por que diabos ele fez isso? 

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quinta-feira, 15 de novembro de 2018




diário dos vivos [fragmento]

XIII.

no início me incomodava muito aquela aproximação. a ponto de eu inventar desculpas para fugir dele. seu amigo tá lá no portão. diz que estou ocupado, estudando, pai. não adiantava. ele irrompia casa adentro, sorria o sorriso cínico de sempre que encantara minha mãe, dava abraços com tapinhas nas costas de meu pai. minha mãe o adorava. meu pai já havia percebido o cinismo em seu olhar e talvez o adorasse também justamente por isso. do escritório, eu ouvia o som de sua voz na sala e me encolhia por dentro. oi, sumido! sua figura alta, na porta do escritório, esperava apenas que eu assentisse sua vinda com um outro oi. vinha até onde eu estava e me dava um beijo na testa. não faça isso, meus pais estão em casa.

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quinta-feira, 8 de novembro de 2018




diário dos vivos [fragmento]

XII.

porque em certo momento da vida é só isso que teremos: as lembranças e os remédios. as primeiras às vezes nem, porque já estarão destruídas por elas mesmas. pois eu ainda me lembro. ainda sinto o gosto e o cheiro da água. quando ela veio, veio destruindo tudo. isso foi no tempo em que a casa ainda tinha vida. no tempo em que ainda saíam da minha boca, cotidianamente, palavras como pai, mãe e vó. a cabeça d’água na parte alta do rio foi a mais violenta que já se vira. água não tem respeito por portão. vai entrando casa adentro sem pedir licença, nos pega desprevenidos, às vezes sem nada em casa para oferecer. mas ela não faz cerimônia, pega o pouco que tem e leva.

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