COMO SE OUVISSE MÚSICA [fragmento]
1.
Não sei se ele olhou para o relógio de pulso, se ele tinha
um relógio no pulso, se ele teve pulso, ou se consultou no visor do celular ou
na tela do computador a hora exata em que decidiu saltar. Porque se o tivesse
feito, veria que eram dezessete horas e quarenta minutos e que a essa hora não
se deve saltar de um prédio. Às dezessete horas e quarenta minutos, a senhora
do sexto andar já terminou de tomar seu chá e está arrumando o lacinho do seu
poodle, ou talvez um shih tzu, para a caminhada pelos arredores e encontrará,
ao descer pelo elevador, a vizinha do oitavo andar que lhe contará sobre o
sujeito que se atirou do décimo primeiro andar cujo corpo se encontra numa
poça de sangue na calçada em frente e esta senhora decidirá não mais passear
com seu poodle, ou talvez com seu shih tzu, amaldiçoando o acontecimento que a
impediu de mostrar para toda a vizinhança e para o dono da banca de jornal e
para o segurança das lojas americanas o lacinho recém comprado no petshop onde
ontem ela levou seu shih tzu, ou talvez seu poodle, para tomar banho. Ou
talvez, e isso se explica pela necessidade vital das pessoas de aproveitarem
momentos de grande comoção para ostentar opiniões e aquisições, ela decida
ainda assim manter seus planos, não obstante a vizinha do oitavo andar a
tivesse prevenido da cena chocante que a esperava na calçada, e levar o poodle,
shih tzu talvez, para o passeio que agora mais seria um deleite mórbido da
senhora do que um alívio do cãozinho pela mijada ou cagada que há tanto
esperava. Às dezessete horas e quarenta minutos, a mãe que largou do trabalho
como gerente de uma loja de uma grande rede de moda prêt-à-porter às dezessete
horas num shopping do outro lado da cidade foi buscar os filhos na escola da
rua de cima próxima ao prédio e os traz arrastando suas mochilas de rodinha
pelas calçadas esburacadas de pedras portuguesas que no atrito com as rodinhas
das mochilas produzem o ruído incômodo das calçadas no fim de tarde nas áreas
de grande concentração populacional.
Para ler o restante, adquira o livro Diário dos vivos e outros escritos, publicado pela Editora Penalux, set. 2019, no site a seguir:
https://www.editorapenalux.com.br/loja/contos/diario-dos-vivos-e-outros-escritos
Muito bom. Como sempre.
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