quarta-feira, 18 de setembro de 2019






COZINHANDO DORES [fragmento]



            1.
Lena percebera talvez só há pouco tempo que era reparada na rua quando passava. Essa percepção chegou junto com os quarenta anos recém completados. Lena sempre fora distraída, do tipo que não reparava nas pessoas nem no tempo. E disso não fazia matéria de culpa ou ressentimento. Tinha, aliás, a indubitável convicção de que ressentimentos eram um luxo que não lhe cabia. Como essa saia. Mas ela cabia há pouco tempo atrás. E viu-se no espelho. Não chegou a ser um susto, mas algo trincou na imagem refletida. Analisou mudanças, fuçou cada distorção da imagem que até então tivera de si. Não teve medo do que viu, nem alegria, nem tristeza. Só viu. E ver já era muito. Decidiu não pôr aquela saia para ir trabalhar, escolheu outra. Mas já era tarde: agora ela reparava. E mesmo assim, precisava sair à rua, tinha que ir trabalhar. O mesmo trajeto para o trabalho de todos os dias, em anos, foi, naquele dia, o mais longo de todos os dias, em anos. Lena percebera que era reparada na rua. Algo havia trincado na imagem. E Lena passou a fuçar a distorção de ser vista. De ver.




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